domingo, 20 de janeiro de 2008

Querida Mavilde,

Já está tudo a dormir cá em casa. Também já estou de pijama. Mas tive necessidade de vir cá despejar tudo. Nem parece meu. Estou sempre tão ansiosa para ir dormir. Preciso tanto de cama como de ar para respirar. Não quero fazer barulho para ninguém dar conta que ainda estou aqui. Sei que estão preocupados comigo. Mas não há razão para isso. Só preciso de soltar este grito, esta raiva, este ódio pela vida!
Esta manhã, a terra ficou mais pobre e o e ganhou uma estrela. Partiste.
Madrinha, sabes que é para ti que vai o meu pensamento e certamente de onde estás consegues ver isso. Acabou-se o teu sofrimento. Sabemos que para ti foi melhor assim mas para quem fica a dor é insuportável.
De nada te valeram as tuas poupanças de uma vida inteira de emigrante. Há 2 anos que isso deixou de fazer sentido, quando os teus pulmões fraquejaram. Só a vida ainda fazia sentido. Dizias que só quando as galinhas tivessem dentes é que vinhas para Portugal e não cumpriste. Amanhã vens para cá.
Eu espero por ti. Há 2 anos que não te via. Lembro-me perfeitamente da última vez... Foi no verão de 2005, cruzei-te na rua e vieste em direcção a mim com o teu sorriso lindo branco, a tua pele morena, o teu cabelo curto e escuro, da mesma cor dos teus olhos. Estavas como sempre te conheci e como te recordo. Eras uma mulher muito bonita. Cumprimentaste-me com o teu português com 25 anos de França. Mas nós entendemos-nos. Nunca mais te voltei a ver.
Escrevi-te no ano passado. Já não me respondeste. Já não podias. Enviei-te uma prenda. E uma foto minha de final de curso vestida a rigor para teres orgulho na tua afilhada!
Prendemos-nos tanto ao dinheiro e aos rancores do passado que quando deixaste de poder viajar e eu nunca fui França te visitar. Não me arrependo. Mas tenho pena... pena porque talvez não te lembres da última vez que me viste...
Sempre me disseste que querias que as tuas filhas fossem como eu... talvez seria só para eu ficar feliz mas eu acreditava.
Recebe este Beijo que eu não te dei e Perdoa-me se algum vez fui uma má afilhada.



Estas palavras não precisam de qualquer explicação suplementar contudo vou ser mais clara: A minha Madrinha foi vencida pelo cancro esta manhã. Meus familiares próximos não me deram logo a notícia por que um dia longo e duro de trabalho se avizinhava e eu não podia faltar. Recebi a notícia quando cheguei a casa a noite. Já tínhamos sido informados que o estado era muito grave mas nunca se está preparado para a partida.
Minha alma está de luto.

3 comentários:

Ana Flor disse...

Querida Anabela,

Esteja onde estiver, a tua madrinha vai estar sempre a olhar por ti e a sorrir como naquele Verâo de 2005, nunca te esqueças disso!
Um beijo do tamanho do mundo
Ana

Tinkerbell disse...

hmm, detesto estes momentos, para mim são sempre cheios de silêncio porque acho que não há palavras que preencham o vazio deixado por um ente querido.

Se estivesse ao pé de ti, abraçava-te. E esperava que o meu abraço dissesse tudo o que eu não sei dizer nestes momentos..

Mas, ainda assim, insisto em dizer algo, não sei se sabes, mas os esquimós acreditam que as estrelas são buracos por onde as pessoas que morrem podem espreitar para nós.

Gostei do que eles acreditam, e de certa forma, n'altura gostei de pensar que algumas das estrelas que estão lá em cima são a janela do quarto da nova morada dos meus avós, e que de vez em quando eles espreitam para ver como eu estou.

Espero que esta crença te dê o conforto que me deu a mim. |: E lamento.

Anónimo disse...

Não tenho jeito para estas coisas...nunca tive...
Por isso só te posso deixar um beijinho querido...

Liliana Pereira